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13 Reasons Why: sem justiça, o sonho do oprimido é se tornar o opressor

  • Foto do escritor: Culturando
    Culturando
  • 23 de mai. de 2020
  • 4 min de leitura

Série entra em sua última temporada tentando consertar os erros anterior (Divulgação/Netflix)

Não há explicação racional para o que foi feito em 13 Reasons Why, a série da Netflix baseado no livro de Jay Asher, mas o público ainda gostaria de ver os produtores tentarem. E é isso que eles vêm fazendo nos últimos 3 anos, lançando uma temporada por ano e tentando justificar os erros da temporada anterior a cada novo episódio, mesmo que tudo seja em vão. Enquanto se preparam para a lançar a quarta – e última – temporada, devem se preocupar, também, em consertar o maior delírio da série: a morte de Bryce Walker.


Mas nem tudo é de todo mal. Vale ressaltar que, pelo menos, a série deu luz a grandes atores, como Devind Druid, que interpreta Tyler Down, Alisha Boe, que dá vida à Jessica Davis, e Justin Prentice, Bryce Walker. Os dois últimos, Alisha e Justin, responsáveis por uma das mais chocantes cenas do terceiro ano, quando estuprador e vítima são colocados frente a frente para uma conversa. Os erros cometidos são vários, mas a escolha do elenco definitivamente não é um deles, assim como os aspectos técnicos, como fotografia e trilha sonora.


Porém, no que diz respeito ao roteiro, muito se deixou a desejar. Os temas abordados pela trama, como estupro, homossexualidade, bullying, abuso sexual e suicídio, são de extrema seriedade, e foram retratados ao longo dos 39 episódios já lançados como banalidades. O suicídio de Hannah Baker na série, ao contrário do que acontece no livro, parece um modo de provar estar certa, não o ápice de uma dor insuportável, e a cena explícita de sua morte foi irresponsavelmente colocada na primeira temporada. Na segunda, para explicar como o dinheiro manipula decisões, liberaram um estuprador recorrente em uma decisão ridícula, apenas em condicional, ignorando a dor e o sofrimento de todas as suas vítimas.


Esta última situação, embora não seja irreal, não deveria existir. Por se tratar de uma série infanto-juvenil, a intenção deveria ser mostrar aos jovens o quão errado são ações de sexo não consensual, não explicitar que, com a influência certa, nada acontece com o criminoso. Entretanto, vale ressaltar a linda cena da segunda temporada, quando todas as atrizes da série contam diferentes e reais histórias de abuso em frente ao juiz para mostrar que, infelizmente, são mais comuns do que imaginamos. Logo em seguida, tudo é deixado de lado com veredito apressado.


Porém, ainda na segunda temporada, acontece o mais irresponsável e esdrúxulo dos casos, quando Tyler Down, um garoto brutalmente assediado por três membros do time de futebol americano que sabem que não sofrerão qualquer represália, toma a decisão homicida de entrar com uma arma no baile da escola. Isso, infelizmente, acontece com mais frequência nos Estados Unidos, local onde se passa a série, do que em qualquer outro lugar, e a intenção era mostrar a seriedade e as circunstâncias que podem levar adolescentes a pegar em armas. Mas não, o atirador é parado por um colega de escola em uma situação tão surreal que parecia um delírio coletivo.


Não era. Na verdade, após essa situação, todos os alunos que presenciaram a cena decidem proteger o garoto a todo o custo, escondendo o que houve dos policiais e das autoridades responsáveis, inclusive da família de Tyler. Pelo menos o garoto é levado a uma conselheira estudantil e passa a se apoiar em seus amigos para que os pensamentos que o seguiam parassem, mas o mundo sabe que a probabilidade de uma situação como essa acontecer é ínfima enquanto assistem aos noticiários e veem mais uma escola vítima de um atirador.


Quando todos imaginaram que as sandices parariam por aí, muitos se enganaram. Para o terceiro ano, os produtores decidiram transformar o thriller feito à base de flashbacks que construíram em um gigantesco episódio de Cold Case, onde detetives decidem resolver casos considerados sem solução. Alguém matou Bryce Walker, o estuprador das duas últimas temporadas, e, ao que tudo indica, todos os personagens da série tinham um motivo próprio para tirar a vida dele.


Mas como retratar um estuprador julgado, mas não condenado, e confesso? Transforme-o em uma alma perturbada, pronto para mudanças radicais e para a redenção. Ignore a vida das mulheres de quem ele tirou a paz, as famílias que ele destruiu e transforme o criminoso em um bom homem. Bryce termina sua participação em 13 Reasons Why como um herói, tomando todas as medidas possíveis para ajudar absolutamente todo mundo que um dia conheceu.


É como se seu passado não mais existisse enquanto ele via um conselheiro – o mesmo que perguntou à Hannah na primeira temporada se ela não havia provocado seu estuprador para que ele acreditasse que ela queria transar com ele. Mas existia. O público se lembrava, e os personagens também, mesmo que ele parecesse alguém diferente. Enquanto se esforçava para passar uma nova imagem para o mundo, dizia ao seu conselheiro que ainda sentia vontade de forçar mulheres que iam para cama com ele, e que se sentia ameaçado quando, durante a relação, a mulher queria ficar por cima.


No fim, ele é morto friamente por uma de suas vítimas e o ex-namorado dela, que o encontram espancado e sangrando depois de uma briga. Em resumo, o ciclo de ódio nunca termina e os verdadeiros responsáveis por sua morte nunca são presos, já que seus amigos incriminam outro rapaz, tão inescrupuloso quanto Bryce, por sua morte. A mensagem se perdeu no meio do drama, e os fãs ficaram sem entender o que devem fazer com o que foi ensinado.


Ao que tudo indica, o melhor é não se fazer nada. Os valores invertidos da série se confundem em uma geração facilmente influenciável que não encontra mais em seu meio bons exemplos a serem seguidos. A internet os torna vulneráveis enquanto são expostos diariamente a brutalidades em todos os cantos, e mais uma vez colocados de frente com uma realidade absurda com a série.


13 Reasons Why pode ser o principal erro cometido pela cantora Selena Gomez, uma das produtoras da série, assim como todos os outros nomes nos créditos de cada episódio. No fim, a única mensagem concreta passada é “sem justiça, o sonho do oprimido é se tornar o opressor”. Para o quarto ano, as expectativas são baixíssimas, e o público apenas se preocupa com a forma como a realidade será destorcida nesse momento.

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