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Incoerências não tão incoerentes

  • Foto do escritor: Culturando
    Culturando
  • 15 de mai. de 2019
  • 7 min de leitura

Danaerys assume sua personalidade louca (Divulgação/HBO)

O penúltimo episódio de Game Of Thrones deixou o público em êxtase. Independente ter sido bom ou ruim. Todo mundo formulou uma de duas opiniões: (a) os produtores estão realmente acabando com a minha série, ou (b) o plot ficou incrível. Escolham os seus lados e preparem os seus argumentos. Eu, particularmente falando, escolhi o meu e vou defendê-lo: tudo o que aconteceu no último domingo foi de caso pensado para mostrar um âmbito emocional maior dos personagens principais.


Em resumo, não foi um episódio ruim. Quebrou expectativas e deixou a desejar em alguns pontos, mas, para mim, é mais uma questão de olhar mais a fundo alguns personagens chave. Vamos falar sobre Danaerys Targaryen, Cersei Lennister, Tyrion Lennister e Jon Snow, que têm sido o assunto nas rodas de conversa desde o final do episódio.


Quanto a Danaerys, o maior comentário é que “acabaram com a história dela”. Não acabaram, não. Na realidade, ela só seguiu a linha do que todos os personagens mais velhos já tinham falado desde o primeiro episódio da série: não podiam confiar que ela não se tornaria uma atualização do que seu pai foi. Ela foi. Ele não queimou as pessoas, mas ela queimou. Agora, negar que ela vinha em declínio psicológico nas últimas temporadas é quase impossível. Vamos tentar explicar porque.


Para quem não sabe, o Rei Louco, também conhecido como Aerys Targaryen II, enlouqueceu pela necessidade de ser querido e amado por seu povo. Ele tinha tanto medo de perder a afeição daqueles que o seguiam que foi minando relações em seu reinado e duvidou até da lealdade de seu filho, Rhaegar, que viria a ser o pai do Jon Snow. Ele queria ser respeitado por amor, não por terror, e tinha pavor de perder seu trono. Por isso, quando Robert Baratheon começou a ganhar diversas batalhas na Guerra dos Cinco Reinos, ele decidiu que seria melhor que King’s Landing queimasse em fogo selvagem do que entregar o reino para o rival.


Para Danaerys, o caminho era o mesmo, embora ela já conhecesse a história e fizesse o possível para evitar que seu destino fosse o mesmo de seu pai. Por isso, sua trajetória seria nobre: depois de descobrir que o trono era seu e ter perdido seu marido, ela passa pelos reinos e cidades libertando escravos e lutando por justiça. Ela chegou a prender seus três dragões, ainda filhotes, por terem queimado uma criança. Isso não vai se apagar. Prova disso é a lealdade do Verme Cinzento e da Missandei (inclusive, saudades).


Mas, assim como seu pai, ela temia não ser amada pelo povo que a seguiria. Até esse momento, todo o seu movimento libertário tinha garantido à ela a devoção que ela queria, mas as regiões mais próximas de King’s Landing não foram afetadas por isso. Pelo menos não da forma que ela esperava. As maiores famílias que se aliaram a ela foram os Greyjoy e, na teoria, os Stark, que lutaram ao seu lado durante a guerra contra os mortos. Mesmo assim, apenas alguns homens das Ilhas de Ferro foram para Winterfell para a guerra, e foram para lutar ao lado dos Stark. Não dela.


Além disso, ela cria um embate de autoridade à altura com Sansa Stark, que é contra sua presença no norte desde o primeiro dia. Além disso, Jon Snow se descobre o verdadeiro herdeiro ao trono de ferro. Foi aí que ela percebeu que sua autoridade suprema poderia estar ameaçada. Quando a guerra acaba e os vivos ganham, ela não é mais a salvadora da pátria ou a única esperança. Jon leva o crédito pela vitória, e ela incrementa em sua cabeça a teoria de que ele tomaria seu trono.


Quando ela suplica para que ele não revele seu segredo, seu medo de ser substituída é óbvio, e ela se sente amplamente ameaçada por ele. Ela vê Cersei não se render, um de seus dragões ser assassinado por Euron Greyjoy e sua melhor amiga ser decapitada pela inimiga. Ela precisava atacar, mesmo que Tyrion, sua mão, implorasse para que ela buscasse uma solução que não envolvesse a morte de milhares de inocentes. Além disso, Jon Snow, o único que realmente a amava, decide que o relacionamento dos dois não deve prosseguir, deixando-a “sozinha”.


Tyrion consegue: se os sinos forem tocados, o ataque não continuará. Quando ela derrota a frota de navios e os soldados de Cersei, a população implora por rendição e eles badalam os sinos. Mas, para ela, isso não é desculpa para o que ela precisava fazer: a população precisava entender que era ela quem mandava em King’s Landing “por medo”, como ela mesma diz.


Danaerys assume a loucura a qual estava destinada, mesmo que tenha evitado isso a qualquer custo. Seu exército a segue, mas ainda sem esperança de um futuro melhor agora que sua rainha seguiu este caminho.


Cersei Lennister


A Rainha dos Sete Reinos foi um dos maiores burburinhos do último episódio. Ao contrário do que todo mundo esperava, ela não foi morta pelas mãos de Arya, que deve fechar o último par de olhos (verdes) da sua profecia, mas ruiu com King’s Landing. Sua personagem era destemida, incansável e implacável. Ninguém era páreo para Cersei Lennister. E continuavam a não ser.


Ter enfrentado Danaerys e matado um de seus dragões era a prova de que ela não se renderia. Mas ela não imaginava que Danaerys também não faria isso, e que iria com todo o seu poder de fogo para o reino. Ela não imaginou que Danaerys atiraria fogo nas pessoas inocentes que ali viviam. Mas foi exatamente isso o que ela fez. E Cersei ficou encurralada, vendo seu povo morrer queimando e sabendo que ela seria a próxima. Este foi um dos poucos momentos em que foi possível ver sentimentos humanos na personagem.


Ela sentiu medo. Medo de morrer e não poder ter o filho que esperava com Jayme, seu irmão e amante. E então ela foge com sua mão e o Montanha para a Fortaleza de Baelor para se esconder. No meio do caminho, o embate entre Montanha e Cão começa, e sua mão morre durante o conflito. Ela sente ainda mais medo e escapa sem muito alarde numa cena que chega a ser engraçada. Quando ela chega na sala do mapa, encontra Jayme e os dois deveriam fugir em um bote deixado por Tyrion para que eles recomeçassem. Mas isso não acontece. Eles ficam preso na sala dos crânios de dragões, e ela chora de medo.


Até aquele momento, Cersei só havia chorado quando seus filhos, Jofrey e Myrcella, morreram. Ali, ela chora por medo de morrer. Ela havia sido vencida.

Ela morre mais humana nos braços de seu irmão, ouvindo que, a partir daquele momento, nada mais importava. Ela teve paz, sem rancor, guerra ou dor. Segundo a própria atriz, Lena Headey, aquela deve ter sido a única vez que Cersei sentiu paz.


Jon Snow


O último filho homem dos Targaryen também foi alvo de muitas críticas essa semana, que defendiam que ele “abandonou” sua honra por sua rainha, Danaerys, quando ela ataca King’s Landing. Embora as minhas críticas sobre ele sejam muitas e bem amplas, sou obrigada a defender o ex-bastardo: foi sua honra que o levou a segui-la, e foi ela que o fez hesitar para fazer qualquer coisa na invasão a King’s Landing. Além disso, “Jon Snow” pode, sim, ter virado um sinônimo para o termo “gado”.


Jon era um garoto renegado que nunca conheceu a mãe e que era considerado o “culpado” pela brecha na honra de Ned Stark. Caitlyn Stark não o suportava, a própria Sansa fez o possível para tornar sua convivência em Winterfell o mais difícil possível, e foi por isso que ele decidiu se juntar a Patrulha da Noite. Isso, psicologicamente falando, gerou uma grande dependência feminina no rapaz.


Isso ficou claro quando ele conheceu Ygrit, a selvagem, embora o relacionamento dos dois deixe muitos com saudades até hoje. Sua história seguiu até que ele foi condecorado Rei do Norte pelo seu povo depois de recuperar Winterfell na Batalha dos Bastardos – embora ele não pudesse assumir todos os méritos pelo ocorrido. Seus caminhos se cruzam aos de Danaerys Targaryen, e eles se tornam aliados. Ou muito mais do que isso.


O sentimento entre eles surgiu e ele se preocupa mais do que o normal em impressioná-la. Ele dobra o joelho e assume Danaerys como sua rainha mesmo sem consultar seu povo, que não seguiria um Targaryen mesmo que ele implorasse. Os que ficaram ao seu lado depois disso eram aqueles que realmente acreditavam na sua causa, mas Danaerys não os representava. Mas Jon a amava, e decidiu se cegar em relação aos erros que ela cometia, mesmo que fossem grandes.


Ele fechou os olhos para o que estava acontecendo e acreditava que ela manteria seu objetivo de “quebrar a roda”. Quando ele entendeu que isso não aconteceria, principalmente depois que foi coagido pela rainha a não contar nada sobre sua origem a ninguém. Mas isso não muda a situação: ele continua sem ver a loucura eminente na qual Danaerys se enfiava. Em King’s Landing, ele viu de perto o que estava acontecendo.

Sua honra não foi ferida. Na realidade, foi ela que o manteve ao lado de Danaerys por tanto tempo. Agora resta saber o que será feito a partir daqui. Mas ele manteve sua palavra e sua índole até o último momento.


Tyrion Lennister


A situação de Tyrion se assemelha a de Jon. Ninguém sofreu mais com o ego dos Lennisters do que ele, renegado pelo pai por ser um anão e responsabilizado pela morte da mãe. Tudo o que ele queria era que esse reinado terminasse, e ele viu em Danaerys a chance para impedir que o ciclo continuasse.


Por isso ele apostou todas as suas fichas na garota Targaryen, mesmo após ter sido advertido diversas vezes por Varys e outras pessoas de que ela poderia seguir os mesmos passos de seu pai. Quando percebeu que eles estavam mais certos do que errados, Tyrion começa a defendê-la com unhas e dentes, negando o que parecia ser óbvio.


Quando já é tarde demais, ele tenta remediar o que já está feito, e faz com que ela prometa não queimar a cidade se eles se renderem. Ele solta seu irmão, correndo o risco de ser acusado de traição, e implora para que ele convença Cersei a se render. Seu plano funciona, mesmo que não do jeito que ele tinha imaginado, e os sinos são tocados. Os portões são abertos. Mas Danaerys age mesmo assim, e Tyrion se vê impotente diante do fogo.


Não tinha mais nada que ele pudesse fazer. Como mão, ele a aconselhou a não fazer nada e respeitar a rendição. Agora, sua confiança na rainha, que já estava abalada, provavelmente sumiu de vez, e ela pode ter perdido o mais importante de seus aliados.


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