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You vs. Corpos Ocultos: o que se perde em adaptações apressadas

  • Foto do escritor: Culturando
    Culturando
  • 27 de mai. de 2020
  • 5 min de leitura

Joe Goldberg é o novo queridinho da Netflix. Criado nas histórias de Caroline Kepnes, autora de Você – livro de mesmo nome da série – e Corpos Ocultos, sua história de paixões disfuncionais e sentimentos conturbados chamou a atenção de Greg Berlanti e Sera Gamble, produtores que levaram suas tramas para a plataforma de streaming. Pouco depois, o projeto tinha nome, elenco e data de estreia, e virou um dos preferidos os assinantes, tanto que a segunda temporada passou a ser planejada logo em após o lançamento da primeira.


Nem toda a adaptação de livros sai como esperado, mas a primeira temporada se manteve fiel ao que foi proposto pela autora. Joe, interpretado brilhantemente por Penn Badgley, é um jovem bonito, inteligente e articulado, que trabalha em uma livraria de antiguidades em Nova York. Em busca do amor, ele entende que sua obsessão por suas namoradas não passa de uma forma de proteção; um jeito de conhecer sua amada e de tirá-la de situações que podem machucá-la. Ficar horas em frente a uma janela, invadir apartamentos ou confiscar itens pessoais, perseguir amigos e ex-namorados e, eventualmente mata-los, é apenas um meio de viver o amor que sempre quis.


Diferenças ocasionais são normais. Alguns personagens novos foram introduzidos à série, e o livro dá uma dimensão melhor do que se passa na cabeça do assassino. Porém, tudo segue um curso único e é possível entender a mensagem em ambas as histórias. Mas nem tudo acaba tão bem quanto começou. Os produtores decidiram mudar a última parte da história, quando Joe conhece uma nova garota e vê o ciclo se reiniciar – mas só no livro. Na série, os produtores decidiram que o melhor a fazer era trazer de volta a primeira namorada assassinada de Joe Goldberg, Candace, que, na verdade, vinha se escondendo dele depois da tentativa de assassinato.


Enquanto a equipe de produção perdia as migalhas de pão que foram deixadas pelo livro, a série perdeu seu rumo principal e suas raízes. A segunda temporada começa deixando espaços em branco que, teoricamente, deveriam ser preenchidos ao longo da trama, e que terminam mais vazios do que começaram. Depois da volta de Candace e enquanto pensava nos erros que cometeu em seus últimos crimes, como ter deixado uma caneca com sua urina na casa de uma das vítimas, Joe decide fugir para Los Angeles e assumir uma nova identidade para não ser encontrada por sua única ex-namorada viva.


No livro, Joe se muda também para Los Angeles, mas atrás de sua mais recente ex-namorada, Amy, que o usou para roubar edições raras de livros valiosos. Sua intenção é, obviamente, matá-la e se recuperar da humilhação de ser enganado e, principalmente, de não ser amado. A autora deixa claro que o maior problema de Joe é não aceitar não receber o amor que dá, e não é capaz de lidar com uma rejeição. Por isso, ele elimina tudo o que o afasta de seu “amor perfeito”. Amy, além de tê-lo deixado, tirou seu orgulho e sua sensação de superioridade no que diz respeito aos seus grandes companheiros, os livros.


Na série, fugido, Joe começa uma nova vida com um novo nome, Will Bettelheim, e tenta agir como um típico morador da cidade. Ele trabalha em uma livraria gourmetizada, se envolve com problemas de vizinhos e tenta se adaptar s sua nova história para que Joe morra, assim como deveria ter acontecido com Candace. Mas é nesse momento que a série começa a deixar pontas soltas ao invés de liga-las. Ele continua o mesmo homem de era, obcecado por sua nova namorada, Love, perturbado no que diz respeito àqueles que podem tirá-la dele, e tentando fugir de seu passado e seus crimes. Mas é claro que sua ex-namorada começa a namorar o irmão de Love, ameaça mostrar para todos tudo o que sabe, e, no fim, Love é tão perturbada quanto ele.


O livro traça um caminho diferente que leva Love a descobrir quem Joe é, enquanto ele passa a aceitar sua insanidade em sua forma mais plena. Mas, assim como na série, o livro mostra uma Love receptiva aos crimes do namorado, além de apoiá-lo a se livrar de seu passado. Porém, a história é mais bem construída e mais próxima de ser crível. Além disso, Joe termina seu segundo livro preso, sendo interrogado pela maioria das mortes que cometeu, o que dá mais um desfecho a sua história. Love não é uma assassina, mas, seus relacionamentos disfuncionais com sua família e namorados antigos, faz com que ela entenda seu novo amor e possa perdoá-lo.


É importante ressaltar que Kepnes não dá ponto sem nó em seus livros. Todos os passos de todos os personagens possuem uma explicação plausível, racional e que o levará, em algum momento, a outro ponto importante da história. Na série, os personagens se perdem a cada vez que tomam uma decisão, e nada liga um episódio ao outro, deixando a história vazia. Trazer de volta alguém do passado, presumivelmente morto e que foi um grande marco na história do personagem principal por ser sua primeira vítima, parece um sinal de desespero, que se comprova ao longo da temporada.


Corpos Ocultos, que teoricamente foi a inspiração para o segundo ano da série, traz um suspense gritante; uma história assustadoramente cativante, do tipo que te impede de soltar até o fim do capítulo e, consequentemente, do livro. Os elementos de personalidade dos personagens são muito bem criados, e, infelizmente, são ignorados pelos produtores de sua versão gravada, assim como diversos aspectos da trajetória.


A maior prova de que a narrativa se perdeu é a consequente transformação de Love em uma assassina, quando ela conta já ter matado uma babá que teria abusado de seu irmão gêmeo, Forty, e, no último episódio, assassina Candace quando ela encontra provas que podem colocar Joe na cadeia. Ao invés do que se espera, isso destrói a pessoa que Joe sempre foi, e o torna um homem submisso, neutro e infeliz. No que diz respeito a história, a terceira temporada vai introduzir uma nova personagem, que pode ser o novo objeto de obsessão de Joe, ou de Love, ou de qualquer outro personagem que eles decidirem criar.


Enquanto Kepnes encerra seu segundo livro abrindo diversas portas para novas histórias, a série terminou seu segundo ano com um único caminho possível, e ele não parece iluminado o suficiente para trilhar mais uma temporada. A Netflix jogou fora uma brilhante história de terror e suspense ficcional para dar à série um toque adolescente e cru. Resta agora esperar o que será feito, e torcer para que os novos livros da série deem aos produtores e diretores um direcionamento mais objetivo do que deve ser feito.

 
 
 

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